sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A gente passa e eles celebram os nossos passos...


Ontem Dona Nazaré me contando a história de sua infância me disse: "nós tínhamos uma vida muito pobre, mas nós não sabíamos que éramos pobres, brincávamos muito com os bonecos de pano que minha avó fazia..."

emocionei demais...

Tarafi - mais uma lição de Dona Regina sobre alimentação em Bubaque

Tarafi na praia de Escadinha

Conhecemos Dona Regina no Djumbai (roda de conversa) sobre o dia internacional de violência contra a mulher, uma senhora sagaz, voz ativa, narradora de muitas histórias e tradições da cultura local. Na manhã dessa sexta feira, Dona Regina me contava sobre sua preocupação com a alimentação, com a perca de hábitos dos mais velhos que garantia muita saúde ao povo e que vem sendo aos poucos substituído por outros hábitos do mercado, adoecendo o povo. 
O que seria o nosso "mangue branco" no Brasil, é o Tarafi (em Kriolo) ou Éba (Bijagós). Tira-se o fruto da Tarafi, encontrado apenas nos meses de chuva, coloca num saco de arroz, cava-se um buraco que tenha água doce, tira-se a água, coloca o saco cheio de tarafi, cobre-se com outras folhas e depois põe a lama por cima das folhas. Depois de uma semana, tira o fruto do saco, lava, põe no sol, no dia seguinte ferve com água e depois seca bem durante 1 semana. Ao ficar bem seco, pode conservar durante dois anos, tampado numa vasilha. O tarafi é preparado cozinhando com óleo de palma (dendê). Os antigos guardavam em vasos de barro, é um ótimo alimento, além de nutritivo, tem efeitos antibióticos

Dona Regina mostrando o Tarafi que armazena em casa, no ponto para cozinhar.



Lingron

Casca do Lingron na Praia da Escadinha, Ilha de Bubaque
Lingron é um marisco encontrado na lama das praias no arquiélago de Bolama Bijagós, consagrado para cerimonias na etnia bijagós, segundo a tradição, é um marisco que pode ser extraído para oferecer alimento, ou alimentar a família, mas nunca para vender. Segundo Dona Regina, os mais velhos contam que as almas dos que já morreram tem raiva quando a população vende esse marisco, "por isso as almas levaram e desapareceram os lingrons por 8 anos". Esse ano o marisco voltou a aparecer em Bubaque, mas em outras ilhas do arquipélago, se consegue encontrá-lo com mais facilidade.


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Ah! O Sol de Bubaque!


Ensaio fotográfico de Jorge Rasta e Say Adinkra do nascer e do pôr do sol... Uma homenagem à Fafá Araújo e Kinda: http://www.flickr.com/photos/103371947@N03/sets/72157638122199855/

O que pra gente seriam conchas do mar...

pouca quantidade na beira mar e muito dentro da terra... são os cascalhos da Ilha para a construção de casas
Sem muita explicação, encontramos pela Ilha, o que eles chamam de "minas de cascalho", algo que seria para o brasileiro como as conchinhas do mar, aqui tem tamanho maior e é bem mais rígido e resistente. Mas esses cascalhos estão em bem pouca quantidade nas areias da praia, toneladas delas estão em minas terrestres, com uso em toda a vila, para a construção das casas, para cobrir o barro do chão, numa função do que seriam nossos passeios, algo semelhante o que em alguns lugares da Bahia fazem com o coco de dendê seco. 
servem como pisos, numa comunidade com pouco recurso e onde cimento quase não existe

Ficamos pensando se essas minas não seriam sambaquis, segundo informações da internet: 


"Sambaquis são enormes montanhas erguidas em baías, praias ou na foz de grandes rios por povos que habitaram o litoral do Brasil na Pré-História. Eles são formados principalmente por cascas de moluscos - a própria origem tupi da palavra sambaqui significa "amontoado de conchas". Mas essas elevações também contêm ossos de mamíferos, equipamentos primitivos de pesca e até objetos de arte, num verdadeiro arquivo pré-histórico. As explicações possíveis quanto à finalidade dos sambaquis são diversas. Para alguns pesquisadores, eles seriam depósitos dos restos de alimentos, de carcaças e ossadas de animais, servindo também, não se sabe por que, como abrigo de sepulturas de humanos. Não eram utilizados como moradias, enfim."

Com a presença de moluscos, muito usado na alimentação local, esses mariscos são chamados de "Combé" e faz parte do cotidiano do trabalho dos pescadores

Em algumas ruas da ilha, combe e asfalto foram misturados para pavimentação.

Vivências na Tabanca Bijante



Ir até uma tabanca concentra nossos sentimentos mais intensos por aqui... é um lugar de muita energia, fonte onde se que concentra o que há de mais preservado na cultura bijagós. Ali, a sua maioria só fala a língua bijagós, a mais difícil de se compreender, na verdade, não dá para compreender sem muito esforço e aulas. Em toda a tabanca, as casas seguem o padrão tradicional, todas feitas de barro.

Na tabanca de Bijante entramos o Major, chefe tradicional que é escolhido pelas mulheres e que representa várias tabancas,  numa manhã, reunimos com o Major e parte da comunidade para tratar da inauguração do centro multimídia que ocorrerá na segunda semana de dezembro. Quando há uma inauguração, é um acontecimento muito importante para toda ilha, a rádio faz reuniões em diversas tabancas para explicar o evento e construir com eles colaboração e participação, solidariedade que pode ser feita através de apoio de trabalho, doações de combe (molusco que em sua "concha" resguarda a capacidade de ser cascalho para as construções), vinho de palma, apresentações culturais.

Reunião da Rádio Djan Djan na Tabanca para organizar a comunidade para a inauguração do centro multimídia
Aos poucos estamos nos aproximando dos mais velhos e conversando um pouco para perceber seus trabalhos, seus modos de vida. As celebrações religiosas são as mais importantes na manutenção do modo de vida tradicional, costuma ter celebração por exemplo por nascimento, fases da vida da pessoa, morte, colheita, para cada acontecimento importante tem uma celebração.

Homem Grande Joaquim me mostrando seu artesanato, será uma espécie de balcão para venda de bebibas em festas

Roda com o Major (chefe tradicional) e homens grandes (griôs)



Dani, Say e a querida Betí num tronco de cabaceira (baobá)

menina bijagós em sua dança tradicional



Jorge Rasta, Major e a comunidade de Bijante

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Sentimentos e expectativas do grupo na Ilha de Bubaque


Natália Maria interagindo com as crianças da ilha

"Tenho a expectativa de horizontes de possibilidades de aprendizagens. Ativar chaves de memórias adormecidas em minha alma e que em contato com esse chão podem despertar e trazer forças positivas novas para minha vida e para as causas as quais quero servir" Natália Maria, ativista negra e feminista.

Mestre Jorge Rasta
"Aqui na Ilha de Bubaque, ao deparar com minhas prévias conclusões ao que se encontra aqui em toda a exploração e oportunismo eurocêntrico, minha expectativa  é reestruturar  formas de dar continuação com alguns segmentos e poder servir para que essa experiencia sirva de atalho para muitas possibilidades de ação... Percebo que  temos um legado valiosíssimo de experiências e práticas que, ao encontrar o legado daqui, pode significar uma mudança de caminho para o que a mídia e as igrejas estão  legando na negação da ancestralidade. Quero também me fortalecer na minha conduta  religiosa do candomblé, ao perceber as singularidades com as práticas ancestrais daqui. Aqui, muita coisa se confirma em mim da religião do candomblé"  Mestre Jorge Rasta


Dani Nega Jeje
"Eu já fico triste em pensar ir embora.  Aqui na Ilha me entristece perceber o quanto a Tv tem inteferido e prejudicado a cultura local, mas fico feliz que muita coisa ainda está preservado, Bubaque ainda é um lugar seguro, mas está ameaçado, é muito preocupante a presença de tantos franceses, fico pensando que aqui pode ficar em pouco tempo como Itacaré, muito modificado e impactado negativamente pelo turismo. Aqui me emocionei bastante do quanto a comunidade local valoriza e se emociona com os artistas daqui, ontem vi crianças e jovens muito felizes ouvindo cantores de rap, isso pode ser um valor importante para a comunidade defender o seu lugar" Dani Nega Jeje

Say Adinkra
"Estar aqui em solo africano é muito desafiador, pelos motivos todos que já conhecemos: um continente maltratado, explorado, com instabilidade política, com problemas de infraestrutura básica, um lugar caro para uma brasileira vir... mas não apenas por isso, ser mulher, mãe, militante, periférica, estudante de mestrado, fazer tudo isso ao mesmo tempo e parar 30 dias para estar em África, tão desejada, sonhada, romantizada...Aqui, o sentimento é de reencontro, mas não se faz uma viagem dessa sem impactos profundos na própria caminhada... cada dia aqui um pouco de mim acontece e floresce, no meio dos muitos desafios cotidianos a dar conta por aqui também... estou bebendo aos poucos e não sei quanto tempo precisarei para entender tudo que significa estar aqui." Say Adinkra

Ilha de Bubaque - a chegada...

Aspecto do porto durante nossa chegada na Ilha de Bubaque.
Chegamos na Ilha de Bubaque na tarde de 15 de novembro... ansiosos, felizes e com saudades da Família de Lita que nos acolheu em Bissau, capital.

Logo no porto, avistamos um baobá... muito nos representa!

A Ilha de Bubaque  compõe o arquipélago de Bolama-Bijagós, uma Reserva de Biosfera constituída por 88 ilhas e ilhotas além da parte continental e área marinha que circunda até 12 milhas náuticas de frente da costa de Guiné-Bissau. Cobre 1.100.000 hectares dos quais 120.000 estão em terra e 160.000 nas áreas intermares.

Todos estes hábitats constituem reservatórios importantes para espécies da flora e fauna. As áreas marinhas incluem santuários para as tartarugas e a área de transição é um sítio importante onde se aninham, se criam e se alimentam espécies marinhas, incluindo uma importante avifauna migratória.  

foto aérea do arquiélago, capturada da internet
A  Ilha tem sua vila concentrada no entorno do porto e de algumas poucas infraestruturas como escola e igrejas, nela uma mistura muito grande de diversas das 30 etnias que compõem o país, o restante de seu território, está organizado e composto pela etnia Bijagós em 12 tabancas, aldeias tradicionais, desprovida de qualquer infraestrutura do Estado, inclusive energia elétrica, mantenedores de costumes tradicionais como a língua bijagó e os rituais de celebração iniciática. A sociedade Bijagó ainda é altamente tradicional, o uso da língua, de cerimonias de iniciação, de definição de lugares sagrados, de música, dança, artesanato.

Kamabi Fêmea, participante do Fanado, cerimonia de iniciação bijagós
Dança Kundere, na tabanca de Bijante
Nossa presença na Ilha, a cada dia tem sido o de aprender aos poucos um pouco mais de um legado oral muito rico, mas não tão fácil de aprender, cada dia, uma tentativa de acesso, de fazer relação, de se familiarizar com o dialeto. por aqui, que tem a língua oficial o português, facilita a comunicação de forma geral, mas com muitas pessoas que falam principalmente o kriolo ou bijagós, é um exercício todos os dias a missão da comunicação.

Na ilha também se observa a presença de muitos estrangeiros, especialmente franceses, cuja apropriação de ilhas e /ou grandes extensões de terras tem iniciado um fluxo diferente que pode se tornar perigoso, na perspectiva da exploração da comunidade e do meio ambiente, dada as características da exploração turística regida pelo modelo capitalista. Muito preocupante o cenário de pobreza e a contradição da presença do estrangeiro apenas para explorar. Já começamos a fazer diálogos sobre as possibilidades do turismo de base comunitária, como uma possibilidade da comunidade se organizar.

Por aqui, a situação da água é a mesma que em Bissau, já o fornecimento de energia é pior que na capital, só há luz à noite, ou em lugares que tem energia solar, como na Rádio Djan Djan, organização que viemos conhecer e colaborar em trocas de atividades.

Fachada da Rádio Djan Djan
Também encontramos pessoas muito acolhedoras, especialmente o Silvano, um jovem rasta que se tornou o nosso guia e amigo e o Júlio, dono da pousada que nos hospedamos. Aos poucos estaremos contando um pouco do que ocorre no dia a dia na ilha...

Silvano, nosso guia querido, gratidão pelo seu acolhimento

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Benefícios nutricionais e medicinais do Baobá, aqui chamado de Cabaceira

Fruto da Cabaceira ou simplesmente, Baobá
A polpa de baobá contém uma particularmente elevada capacidade antioxidante,muito por causa do seu elevado conteúdo em vitamina C, destacando-se por ser uma das mais importantes fontes naturais de ácido ascórbico, contendo níveis que variam de 2,8-3,0 g/kg, apresentando aproximadamente seis vezes mais do que o índice de uma laranja.
O fruto contém também outras vitaminas, como a riboflavina (vitamina B2), necessária para o crescimento do organismo e para manter a integridade das fibras nervosas, peles e olhos, e a niacina (vitamina PP ou B3), importante para a regulação de diversos processos metabólicos.

A doçura da polpa é devida à frutose, sacarose e conteúdo de glucose. O sabor ácido característico do fruto é devido à presença de ácidos orgânicos, como o ácido cítrico, tartárico, málico, succínico bem como o ácido ascórbico.

A polpa e as sementes são excelentes fontes de potássio, cálcio e magnésio, mas são fontes fracas de ferro, zinco e cobre. O índice elevado de cálcio da polpa e das sementes da polpa tornam o baobá uma atraente fonte natural de suplemento de cálcio para as mulheres grávidas ou em amamentação, bem como para as crianças e adultos em geral.

Em contraste com outras proteínas da semente da planta, a proteína da semente do baobá contém uma quantidade elevada de lisina. Porque a quantidade da lisina é limitada na maioria dos cereais, pode ser possível usar a proteína da semente de baobá para melhorar a qualidade de proteína do cereal, especialmente nas regiões áridas e semi-áridas.

O valor energético da polpa de baobá (320,3 ± 4,4 kcal/100 g) é semelhante ao das folhas. As folhas jovens frescas têm um conteúdo de proteína de 4% e são ricas em vitaminas A e C. Em termos de conteúdo em minerais, a folha de baobá constitui uma excelente fonte de cálcio, ferro, potássio, magnésio, manganês, molibdénio, fósforo e zinco.

Isto indica que as folhas de baobá podem servir como uma importante fonte de proteína e minerais para as populações que a utilizam como fonte de alimentação.

Principais aplicações do baobá.

Em todos os caminhos da Ilha, temos Baobás...

O baobá apresenta inúmeras aplicações quer medicinais quer não medicinais em toda a África. É aproveitada toda a árvore desde as sementes, até as folhas e casca da árvore.

As sementes de baobá são consumidas secas ou assadas, usando-se muitas vezes como substitutas do café. Como são caracterizadas como uma potencial fonte de proteína, no Sudão são esmagadas e adicionadas a sopas e outros pratos.

A casca da árvore que produz uma fibra forte é usada no processo de fabrico de cordas, tapetes, bolsas e chapéus. As fibras finas da parte interna da casca são usadas na tecelagem. A madeira, de cor clara é principalmente usada como combustível, sendo também utilizada na construção de instrumentos musicais.

As folhas da árvore de baobá constituem uma fonte de alimentação para populações rurais em muitas zonas de África, especialmente na região central do continente. São fontes importantes de proteínas, sendo geralmente usadas como legumes em sopas ou cozidas e comidas como os espinafres. Uma vez secas e misturadas com cereais, são também comidas, já que são ricas em cálcio, ferro, proteínas e lipídios.
A polpa do fruto de baobá é comida a fresco, apresentando um sabor doce-amargo, semelhante ao do tamarindo (fruto originário das savanas africanas mas de uma família diferente o baobá), muito apreciado pelo povo africano, podendo também ser processada de modo tradicional para obter doces.

É usada na preparação do sumo de baobá, onde a polpa seca é raspada do fruto e misturada com água, sendo depois misturado açúcar. Este sumo é uma bebida altamente nutritiva. São também utilizadas para preparar bebidas alcoólicas espirituosas de baixo teor alcoólico, através da mistura com outros componentes. Em Cabo Verde é misturada com a aguardente de cana-de-açúcar, resultando numa bebida de nome “ponche de kalbisera”.

O fruto de baobá apresenta inúmeras aplicações terapêuticas, sendo usada como antipirético ou febrífugo, analgésico, antidiarreico,anti-inflamatório, no tratamento da disenteria, sarampo, varicela, entre outros.

É muito usado na medicina tradicional africana e por essa razão é designada também “de pequena farmácia” ou “árvore do químico”. O óleo extraído das sementes é usado para aliviar dores de dentes, sendo também usados em casos de diarreia e soluços. Um preparado de pó de raiz seco é dado a pacientes com malária como um tônico.

Na medicina indiana, a casca de baobá é usada como um refrigerante antipirético.
É usado pó de folhas para promover a transpiração excessiva e também são usadas folhas jovens esmagadas no tratamento de inchaços dolorosos. O sumo da polpa é usado em casos de diarreia e disenteria.

A casca, bem como a polpa e as sementes de baobá parecem conter um antídoto para o envenenamento causado por algumas espécies de cobras . No Malawi, o extracto de baobá é vertido sobre a ferida de animais mortos, para neutralizar o veneno antes da carne ser comida.

Leia mais sobre num estudo completo sobre o baobá: http://ria.ua.pt/bitstream/10773/3063/1/2009000576.pdf

Os primeiros dias em Guiné Bissau


Aspecto da principal avenida de Bissau
Aterrizamos em solo guineense dia 11 de novembro de 2013. Além de muito emocionados por ser tão significativo para o universo da militância negra voltar ao continente mãe depois de tanto tempo que nossos ancestrais foram forçados à diáspora, tudo foi no início permeado de muita tensão. Guiné Bissau sofrera um golpe militar em abril de 2012 quando o então presidente Malam Bacai Sanhá morreu. Nas narrativas da população se destaca a informação que o golpe teve participação fundamental da etnia Balanta, detentora de 90% das armas do país, formadora do exército, além do terror de violência quando num começo de noite, as tropas do exército se dividiram em 4 locais estratégicos de Bissau e soltaram fogo (atiraram) em todos que estavam pela frente, causando uma matança orquestrada. Aquela foi a forma do exército comunicar ao povo que eles estavam no poder.


Guiné-Bissau, país composto por 40 etnias, tem as disputas entre elas como parte de seu cenário político que os estrangeiros (africanos ou não) se aproveitam e potencializam para ter maior incidência em um país tão pequeno, tão complexo, mas tão rico em petróleo. Os primeiros 4 dias em Guiné, precisamos ficar na capital Bissau para aguardar a saída do barco que segue para a Ilha apenas 1 vez por semana. Nesses dias, a experiencia foi bem importante para sentirmos o contexto da capital, que também é, como no Brasil, uma concentração de problemas viscerais do país.

No momento atual, o governo está bem enfraquecido, com os bloqueios internacionais depois do golpe, com muita instabilidade interna e com eleições marcadas para março de 2014. A população está bastante descontente, a situação piorou muito, são greves sucessivas que comprometem mais ainda serviços já tão precários, muitos deles sempre pagos como universidade e atendimento médico.
Aspecto das ruas de Bissau
Nesta capital, não há fornecimento de água nas casas. Ou a casa tem um poço e abastece sua casa e a de alguns vizinhos que não tenha, geralmente de forma manual com baldes, ou se busca poços com bombeamentos públicos de água, que são poucos e insuficientes para toda a população.

Não há transporte público, as pessoas se deslocam através de vans, aqui chamadas de Toca Tocas, numa passagem que custa 100 francos, algo em torno de 0,50 centavos, ou paga um taxi, cerca que 500 francos por pessoa. Quase sempre não tem luz, às vezes se passa 30 dias sem o fornecimento de energia. Quando há fornecimento, as quedas de energias e dias sem luz são frequentes durante a semana.

Vamos de toca-toca

A juventude vive uma falta de perspectiva assustadora, não há oportunidades, não há empregos, o dinheiro não circula, não há recurso para pagar universidade. Percebemos muitos olhares ansiosos, buscando em qualquer estrangeiro uma possibilidade de sair, de trabalhar, de tentar uma oportunidade de estudo.

jovens tecelãos: muito talento, falta de perspectiva e oportunidades
Foi surpresa encontrar no meio do caos de Bissau, o Centro Cultural Brasil Guiné-Bissau, uma infraestrutura bacana na embaixada do Brasil em Guiné, com telecentro funcionando com Software Livre, biblioteca com acervos de escritores brasileiros e africanos, salas de leitura, espaço de oficinas, cinema e pátio livre para capoeira, música e outras apresentações culturais.

Outro lugar muito especial foi a feira de Bande, um espaço rico de tecidos, esculturas, bolsas, instrumentos musicais, uma reunião colorida, rica e intensa da estética africana.
Bem acolhidos no Centro Cultural Brasil - Guiné Bissau
Feira de Bande
O salário mínimo em Bissau, 30 mil francos, é um valor que não consegue pagar uma cesta básica, os alimentos são muito caros, mas impressiona também, a pouca variedade de produtos agrícolas. Apesar disso, um trunfo na feira foi achar em abundância polpas do fruto do baobá para venda (o baobá tem um altíssimo valor nutricional e medicinal), além de veludo, uma outra polpa de arvore nativa muito saudável.

Mas emocionante mesmo foi passear e conviver com tantos baobás centenários e tomar o seu suco, tão rico em ferro, em potássio e contém ingredientes vitais para a coagulação do sangue, pode até mesmo ajudar a apoiar o sistema circulatório, enquanto o alto teor de fibra beneficia o sistema digestivo. Ele carrega também uma alta de concentrados de anti-oxidantes, energia, vitaminas e minerais, aumentando a imunidade e o fortalecimento de cálcio para os ossos, segundo pesquisadores da nutrição.

Uma assustadora ausência de infraestrutura e dos serviços mais básicos do Estado dividia o tempo todo a atenção com o encantamento da resistência e solidariedade de um povo com tantas etnias, as peculiaridades das línguas, os coloridos e encantos dos panos, as crianças carregadas em capulanas nas costas das mulheres, a capacidade corporal das mulheres de carregarem muito peso por sob suas cabeças, com um impressionante equilíbrio, além das muitas posições corporais da mulher em seu trabalho doméstico.
Feira livre de alimentos em Bissau
Tudo era impressionante, tudo chamava a atenção. O calor de aproximadamente 38º e a arquitetura de casas que seguem o modelo tradicional das tabancas, mas que incorporou folhas de zinco em suas coberturas, aumentam o calor no interior das casas. Ruas esburacadas, sem calçamento e sem iluminação são comuns em todos os bairros da capital. A mesma rua que comporta barracos muito pobres, casas simples, também são o endereço de casas de embaixadores e ministros.

Nas ruas de Bissau, sempre uma surpresa nos esperava...
A família de nosso amigo Zito, (estudante da UNB, atualmente reside em Brasília) nos acolheu de uma forma muito solidária e afetuosa: Os irmãos Lita e Mário foram nossos guias num lugar tenso, onde tudo precisa ser negociado. Eles também ajudaram para que nossas necessidades de compras não fossem exploradas, num lugar muito pobre onde geralmente os turistas são vistos como pessoas de quem se cobra mais caro.

Na verdade, a família de Zito era muito mais que nossos guias favoritos, eram verdade nossos protetores, nos acolheram como família e nos deram tanto afeto, respeito e solidariedade que foi difícil partir de Bissau sem sentir muita saudade, sem os olhos ficarem marejados e o coração apertado. Que vontade sentíamos de levá-los conosco.


À família de Zito, especialmente à Lita, Ana e Mário, nosso amor e gratidão!