Aspecto da principal avenida de Bissau |
Aterrizamos
em solo guineense dia 11 de novembro de 2013. Além de muito
emocionados por ser tão significativo para o universo da militância
negra voltar ao continente mãe depois de tanto tempo que nossos ancestrais foram forçados à diáspora, tudo foi no início permeado
de muita tensão. Guiné Bissau sofrera um golpe militar em abril de
2012 quando o então presidente Malam Bacai Sanhá
morreu. Nas narrativas da população se destaca a informação que o
golpe teve participação fundamental da etnia Balanta, detentora de
90% das armas do país, formadora do exército, além do terror de
violência quando num começo de noite, as tropas do exército se
dividiram em 4 locais estratégicos de Bissau e soltaram fogo
(atiraram) em todos que estavam pela frente, causando uma matança
orquestrada. Aquela foi a forma do exército comunicar ao povo que
eles estavam no poder.
Um
relatório sobre o golpe de Bissau, pode ser encontrado aqui
http://www.oplop.uff.br/relatorio/rafaelabreu/2514/relatorio-oplop-25-guine-bissau-um-relato-sobre-contexto-do-golpe-de-estado-de-abril-de-2012
Guiné-Bissau,
país composto por 40 etnias, tem as disputas entre elas como parte
de seu cenário político que os estrangeiros (africanos ou não) se
aproveitam e potencializam para ter maior incidência em um país tão
pequeno, tão complexo, mas tão rico em petróleo. Os primeiros 4
dias em Guiné, precisamos ficar na capital Bissau para aguardar a
saída do barco que segue para a Ilha apenas 1 vez por semana. Nesses
dias, a experiencia foi bem importante para sentirmos o contexto da
capital, que também é, como no Brasil, uma concentração de
problemas viscerais do país.
No
momento atual, o governo está bem enfraquecido, com os bloqueios
internacionais depois do golpe, com muita instabilidade interna e com
eleições marcadas para março de 2014. A população está bastante
descontente, a situação piorou muito, são greves sucessivas que
comprometem mais ainda serviços já tão precários, muitos deles
sempre pagos como universidade e atendimento médico.
Aspecto das ruas de Bissau |
Nesta
capital, não há fornecimento de água nas casas. Ou a casa tem um
poço e abastece sua casa e a de alguns vizinhos que não tenha,
geralmente de forma manual com baldes, ou se busca poços com
bombeamentos públicos de água, que são poucos e insuficientes para
toda a população.
Não há
transporte público, as pessoas se deslocam através de vans, aqui
chamadas de Toca Tocas, numa passagem que custa 100 francos, algo em
torno de 0,50 centavos, ou paga um taxi, cerca que 500 francos por
pessoa. Quase sempre não tem luz, às vezes se passa 30 dias sem o
fornecimento de energia. Quando há fornecimento, as quedas de
energias e dias sem luz são frequentes durante a semana.
Vamos de toca-toca |
A
juventude vive uma falta de perspectiva assustadora, não há
oportunidades, não há empregos, o dinheiro não circula, não há
recurso para pagar universidade. Percebemos muitos olhares ansiosos,
buscando em qualquer estrangeiro uma possibilidade de sair, de
trabalhar, de tentar uma oportunidade de estudo.
jovens tecelãos: muito talento, falta de perspectiva e oportunidades |
Foi
surpresa encontrar no meio do caos de Bissau, o Centro Cultural
Brasil Guiné-Bissau, uma infraestrutura bacana na embaixada do
Brasil em Guiné, com telecentro funcionando com Software Livre,
biblioteca com acervos de escritores brasileiros e africanos, salas
de leitura, espaço de oficinas, cinema e pátio livre para capoeira,
música e outras apresentações culturais.
Outro
lugar muito especial foi a feira de Bande, um espaço rico de
tecidos, esculturas, bolsas, instrumentos musicais, uma reunião
colorida, rica e intensa da estética africana.
Bem acolhidos no Centro Cultural Brasil - Guiné Bissau |
Feira de Bande |
O salário
mínimo em Bissau, 30 mil francos, é um valor que não consegue
pagar uma cesta básica, os alimentos são muito caros, mas
impressiona também, a pouca variedade de produtos agrícolas. Apesar
disso, um trunfo na feira foi achar em abundância polpas do fruto do
baobá para venda (o baobá tem um altíssimo valor nutricional e
medicinal), além de veludo, uma outra polpa de arvore nativa muito
saudável.
Mas
emocionante mesmo foi passear e conviver com tantos baobás
centenários e tomar o seu suco, tão rico em ferro, em potássio e
contém ingredientes vitais para a coagulação do sangue, pode até
mesmo ajudar a apoiar o sistema circulatório, enquanto o alto teor
de fibra beneficia o sistema digestivo. Ele carrega também uma alta
de concentrados de anti-oxidantes, energia, vitaminas e minerais,
aumentando a imunidade e o fortalecimento de cálcio para os ossos,
segundo pesquisadores da nutrição.
Uma
assustadora ausência de infraestrutura e dos serviços mais básicos
do Estado dividia o tempo todo a atenção com o encantamento da
resistência e solidariedade de um povo com tantas etnias, as
peculiaridades das línguas, os coloridos e encantos dos panos, as
crianças carregadas em capulanas nas costas das mulheres, a
capacidade corporal das mulheres de carregarem muito peso por sob
suas cabeças, com um impressionante equilíbrio, além das muitas
posições corporais da mulher em seu trabalho doméstico.
Feira livre de alimentos em Bissau |
Tudo era
impressionante, tudo chamava a atenção. O calor de aproximadamente
38º e a arquitetura de casas que seguem o modelo tradicional das
tabancas, mas que incorporou folhas de zinco em suas coberturas,
aumentam o calor no interior das casas. Ruas esburacadas, sem
calçamento e sem iluminação são comuns em todos os bairros da
capital. A mesma rua que comporta barracos muito pobres, casas
simples, também são o endereço de casas de embaixadores e
ministros.
Nas ruas de Bissau, sempre uma surpresa nos esperava... |
A família
de nosso amigo Zito, (estudante da UNB, atualmente reside em
Brasília) nos acolheu de uma forma muito solidária e afetuosa: Os
irmãos Lita e Mário foram nossos guias num lugar tenso, onde tudo
precisa ser negociado. Eles também ajudaram para que nossas
necessidades de compras não fossem exploradas, num lugar muito pobre
onde geralmente os turistas são vistos como pessoas de quem se cobra
mais caro.
Na
verdade, a família de Zito era muito mais que nossos guias
favoritos, eram verdade nossos protetores, nos acolheram como família
e nos deram tanto afeto, respeito e solidariedade que foi difícil
partir de Bissau sem sentir muita saudade, sem os olhos ficarem
marejados e o coração apertado. Que vontade sentíamos de levá-los conosco.
À família de Zito, especialmente à Lita, Ana e Mário, nosso amor e gratidão! |
Bob Querido! obrigada pelo carinho... estamos aqui com o coração na boca e um pensamento na jornada, chegaremos cheio de axé!
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