terça-feira, 26 de novembro de 2013

Os primeiros dias em Guiné Bissau


Aspecto da principal avenida de Bissau
Aterrizamos em solo guineense dia 11 de novembro de 2013. Além de muito emocionados por ser tão significativo para o universo da militância negra voltar ao continente mãe depois de tanto tempo que nossos ancestrais foram forçados à diáspora, tudo foi no início permeado de muita tensão. Guiné Bissau sofrera um golpe militar em abril de 2012 quando o então presidente Malam Bacai Sanhá morreu. Nas narrativas da população se destaca a informação que o golpe teve participação fundamental da etnia Balanta, detentora de 90% das armas do país, formadora do exército, além do terror de violência quando num começo de noite, as tropas do exército se dividiram em 4 locais estratégicos de Bissau e soltaram fogo (atiraram) em todos que estavam pela frente, causando uma matança orquestrada. Aquela foi a forma do exército comunicar ao povo que eles estavam no poder.


Guiné-Bissau, país composto por 40 etnias, tem as disputas entre elas como parte de seu cenário político que os estrangeiros (africanos ou não) se aproveitam e potencializam para ter maior incidência em um país tão pequeno, tão complexo, mas tão rico em petróleo. Os primeiros 4 dias em Guiné, precisamos ficar na capital Bissau para aguardar a saída do barco que segue para a Ilha apenas 1 vez por semana. Nesses dias, a experiencia foi bem importante para sentirmos o contexto da capital, que também é, como no Brasil, uma concentração de problemas viscerais do país.

No momento atual, o governo está bem enfraquecido, com os bloqueios internacionais depois do golpe, com muita instabilidade interna e com eleições marcadas para março de 2014. A população está bastante descontente, a situação piorou muito, são greves sucessivas que comprometem mais ainda serviços já tão precários, muitos deles sempre pagos como universidade e atendimento médico.
Aspecto das ruas de Bissau
Nesta capital, não há fornecimento de água nas casas. Ou a casa tem um poço e abastece sua casa e a de alguns vizinhos que não tenha, geralmente de forma manual com baldes, ou se busca poços com bombeamentos públicos de água, que são poucos e insuficientes para toda a população.

Não há transporte público, as pessoas se deslocam através de vans, aqui chamadas de Toca Tocas, numa passagem que custa 100 francos, algo em torno de 0,50 centavos, ou paga um taxi, cerca que 500 francos por pessoa. Quase sempre não tem luz, às vezes se passa 30 dias sem o fornecimento de energia. Quando há fornecimento, as quedas de energias e dias sem luz são frequentes durante a semana.

Vamos de toca-toca

A juventude vive uma falta de perspectiva assustadora, não há oportunidades, não há empregos, o dinheiro não circula, não há recurso para pagar universidade. Percebemos muitos olhares ansiosos, buscando em qualquer estrangeiro uma possibilidade de sair, de trabalhar, de tentar uma oportunidade de estudo.

jovens tecelãos: muito talento, falta de perspectiva e oportunidades
Foi surpresa encontrar no meio do caos de Bissau, o Centro Cultural Brasil Guiné-Bissau, uma infraestrutura bacana na embaixada do Brasil em Guiné, com telecentro funcionando com Software Livre, biblioteca com acervos de escritores brasileiros e africanos, salas de leitura, espaço de oficinas, cinema e pátio livre para capoeira, música e outras apresentações culturais.

Outro lugar muito especial foi a feira de Bande, um espaço rico de tecidos, esculturas, bolsas, instrumentos musicais, uma reunião colorida, rica e intensa da estética africana.
Bem acolhidos no Centro Cultural Brasil - Guiné Bissau
Feira de Bande
O salário mínimo em Bissau, 30 mil francos, é um valor que não consegue pagar uma cesta básica, os alimentos são muito caros, mas impressiona também, a pouca variedade de produtos agrícolas. Apesar disso, um trunfo na feira foi achar em abundância polpas do fruto do baobá para venda (o baobá tem um altíssimo valor nutricional e medicinal), além de veludo, uma outra polpa de arvore nativa muito saudável.

Mas emocionante mesmo foi passear e conviver com tantos baobás centenários e tomar o seu suco, tão rico em ferro, em potássio e contém ingredientes vitais para a coagulação do sangue, pode até mesmo ajudar a apoiar o sistema circulatório, enquanto o alto teor de fibra beneficia o sistema digestivo. Ele carrega também uma alta de concentrados de anti-oxidantes, energia, vitaminas e minerais, aumentando a imunidade e o fortalecimento de cálcio para os ossos, segundo pesquisadores da nutrição.

Uma assustadora ausência de infraestrutura e dos serviços mais básicos do Estado dividia o tempo todo a atenção com o encantamento da resistência e solidariedade de um povo com tantas etnias, as peculiaridades das línguas, os coloridos e encantos dos panos, as crianças carregadas em capulanas nas costas das mulheres, a capacidade corporal das mulheres de carregarem muito peso por sob suas cabeças, com um impressionante equilíbrio, além das muitas posições corporais da mulher em seu trabalho doméstico.
Feira livre de alimentos em Bissau
Tudo era impressionante, tudo chamava a atenção. O calor de aproximadamente 38º e a arquitetura de casas que seguem o modelo tradicional das tabancas, mas que incorporou folhas de zinco em suas coberturas, aumentam o calor no interior das casas. Ruas esburacadas, sem calçamento e sem iluminação são comuns em todos os bairros da capital. A mesma rua que comporta barracos muito pobres, casas simples, também são o endereço de casas de embaixadores e ministros.

Nas ruas de Bissau, sempre uma surpresa nos esperava...
A família de nosso amigo Zito, (estudante da UNB, atualmente reside em Brasília) nos acolheu de uma forma muito solidária e afetuosa: Os irmãos Lita e Mário foram nossos guias num lugar tenso, onde tudo precisa ser negociado. Eles também ajudaram para que nossas necessidades de compras não fossem exploradas, num lugar muito pobre onde geralmente os turistas são vistos como pessoas de quem se cobra mais caro.

Na verdade, a família de Zito era muito mais que nossos guias favoritos, eram verdade nossos protetores, nos acolheram como família e nos deram tanto afeto, respeito e solidariedade que foi difícil partir de Bissau sem sentir muita saudade, sem os olhos ficarem marejados e o coração apertado. Que vontade sentíamos de levá-los conosco.


À família de Zito, especialmente à Lita, Ana e Mário, nosso amor e gratidão!

Um comentário:

  1. Bob Querido! obrigada pelo carinho... estamos aqui com o coração na boca e um pensamento na jornada, chegaremos cheio de axé!

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